I NEED YOU
Você já se sentiu perdida? Rejeitada pelo mundo, talvez um intruso, jogado as traças e se alimentando sempre de migalhas como um imundo mendigo de rua?
Mas são nessas horas que você deve se lembrar que por trás de todas aquelas roupas sujas e muitas vezes a barba por fazer, o mendigo pode ser um alguém insubstituível, as vezes pode ser este quem vai lhe estender a mão e lhe dizer coisas belíssimas para que se sinta melhor.
Mas falemos serio neste momento, quase nunca pensamos assim, só conseguimos ver através do abismo que estamos caindo, o buraco tão escuro que nada se vê, nada se sente alem da sua própria tristeza.
Nic estava se sentindo dessa forma desde que havia se assumido lesbica, mas ela não gostava de rótulos, ela era apenas uma garota saudável e feliz que amava e se sentia atraída por outras garotas, em seus 16 anos isso pra ela era normal, mas pra sua família, amigos, conhecidos e desconhecidos não era bem assim.
Então ela achou que conseguiria agüentar a pressão sozinha, se reerguer e seguir em frente, mal ela sabia que as vezes o amor em si podia lhe atrapalha na sua jornada de auto aceitação. Sim, Nic era loucamente apaixonada por uma garota mais velha, no qual conseguiu um romance de verão com altos e baixos, a garota de nome Dani não era o tipo mais confiável do mundo.
Infelizmente naquele momento de pura depressão e rejeição, Nic á via como o único alguém em que ela poderia se agarrar para superar tudo o que atravessasse seu caminho, no fim Dani era apenas uma projeção do seu objetivo, se Nic pudesse ficar com ela então ela seria aceita, pois lutar por Dani significava lutar por si mesma, mas Nic até o momento não conseguia ver assim ou então enxergar isso da melhor maneira.
Até que um dia, um dia claro de verão, o sol foi coberto pelas nuvens mais escuras da pior tempestade que existe, a tempestade da ilusão, seu mundo caiu frente aos seus olhos pois Dani, a única a quem Nic sentia que podia se agarrar e superar todos os obstáculos da sua miserável vida, lhe traiu, e o véu de todas as mentiras havia caído frente aos olhos de Nic. Ela pode ver então a verdadeira face de Dani, e não era tão bonita como em seus sonhos.
Como sabemos, era preciso outro apoio, outra muleta para suportar tudo aquilo, toda a rejeição, ao invés de se agarrar em si mesma, Nic optou pelas drogas e se tornou então o tipo de pessoa que ela jurava não ser, apenas por sua sexualidade, mas agora infelizmente não era mais a sua sexualidade que estava em jogo e sim os seus objetivos, seus sonhos, pudores e valores, com as drogas Nic despencou de vez, e aquele abismo se tornou mais profundo e talvez sem volta.
“ o que eu tenho afinal?” se perguntava Nic. “quem eu me tornei? Quem me ama afinal? Se nem mesmo Dani foi capaz de me amar, minha podre família só vai me virar as costas”.
O que Nic não desconfiava é que sua mãe já havia percebido suas mudanças comportamentais, sua rigidez e grosseria iam alem da conta, então sua mãe Valquíria resolveu colocar atrás dela uma detetive, e todo este tempo em que ela achava que não era amada, que estava largada as traças na verdade sua mãe estava aflita preocupada com a filha, seu pai também estava e toda sua grande família estava a par dos acontecimentos da tola adolescente que só via o seu lado ruim.
Nic era quem se rejeitava e nem podia se dar conta disso, até que conseguiu a atenção que tanto desejava foi trancada em casa e bem cuidada, seus pais até a mandaram pra longe da pequena cidade, para esfriar a cabeça ao lado de seu tio (por parte de mãe) de nome Cristiano. Nic usou esse tempo para reclamar da sua maldita condição, todo este tempo trancada. “quem eles pensam que são?” perguntava ela a respeito de seus pais.
Depois da tempestade, ela ainda continuava sem sair mas já conformada da sua situação, mas ainda se achava uma rejeitada pela família de seu pai, já que ele apenas havia criado ela, ele era apenas seu padrasto pois seu pai verdadeiro a tinha abandonado ainda muito nova. “como a família do meu padrasto pode me amar? Se nem sou sangue deles?” e muitas vezes ela chorava, trancada no seu quarto olhando as fotos de seu pai biológico e perguntando pra ele, porque ele havia lhe abandonado? Ela não era o suficiente?
Nic não gostava nem mesmo de filmes com historias pai e filha, tudo era motivo pra aumentar sua angustia interna, até que um dia tres dos irmãos de seu padrasto foram até sua casa e mandaram chamar a garota, chegando na cozinha ela os viu e recebeu vários abraços quentes e apertados, até aliviados por verem a menina bem, sentou-se então a mesa com eles e escutou conselhos e pedidos pra que ela não retornasse as drogas e escutou também pela primeira vez vários eu te amo, daquela mesma família que ela achava que era a rejeitada.
Dias se passaram, ela recebeu ainda alguns telefonemas de seus tios ainda preocupados, ela então já um pouco feliz decidiu se levantar e olhar adiante, recuperar suas forças por si só sem depender de nenhuma projeção. A convivência com sua mãe melhorou bastante, ainda teve vários problemas com seu pai, pelo fato de ser lesbica mas com o tempo, de tanta insistência ganhou finalmente o devido respeito e o espaço pelo qual lutou, o tempo passou, talvez até anos seus tios se despreocuparam pois a viram recuperada, mas um de seus tios (paternos) o de nome Leandro continuava a visitá-la e ouvir sempre a garota, sempre conversando com paciência e lhe dizendo sempre “eu sei sua condição sexual, mas isso minha filha não me impede de te amar e acima de tudo te respeitar”. O respeito e amor que Nic sentia por esse tio só aumentavam a cada dia e nos seus dezenove anos aconteceu mais uma vez a pior das tempestades emocionais em sua vida.
Nic escutou batidas fortes na porta de seu quarto, abriu lentamente os olhos sonolentos de quem acabava de acordar e reconheceu então a voz de sua mãe, que acabava de lhe jogar um balde de água fria, com a noticia que seu tio estava hospitalizado e em coma.
A garota nunca se sentiu tão fragilizada o tio que mais lhe apoiou, o que mais lhe deu forças estava agora precisando das suas forças, Nic engoliu as lagrimas como uma lamina que lhe rasgava a garganta. Continuou firme acenou positivamente com a cabeça pra sua mãe como quem tinha escutado e assim bastava.
Passaram-se alguns dias e Nic conseguiu ir visitar seu tio, depois de descobrir que fora ele quem pagou todo o seu tratamento para sair das drogas, Nic beirou a cama de hospital seu tio ainda estava consciente só não conseguia responder, ela sabia que o que falasse ali podia ajudar ou piorar, então ela se esforçou para não deixar nenhuma lagrima escapar e lhe disse:
- tio um dia você quem me disse isso e agora eu lhe digo, eu amo muito o senhor, e você precisa voltar para nós, precisa reagir tio, quem vai cuidar de mim? E meus conselhos tio? Preciso deles entendeu?
Naquele momento ela viu os olhos de seu tio cheios de água e ele a observava como quem estava entendendo tudo, o que era impossível pois seu primo e os médicos haviam lhe dito que ele não estava consciente a ponto de entender uma só palavra, sua cabeça havia sido afetada com a pancada que levou ao cair do maldito telhado. Nic sentiu uma vontade filha da puta de desmoronar em lagrimas, mas sabia que era preciso ser forte e mais uma vez engoliu todas as suas lagrimas e continuou:
- Você sabe né tio? Sou eu Nic quem esta aqui. Eu vi um filme esses dias e o senhor ia adorar ver, quando voltar pra casa, vamos assistir juntos e eu ainda lhe darei muito orgulho.
Ela então foi interrompida pelo enfermeiro que lhe disse que a visita havia acabado, e viu a mão de seu tio, que estava amarrada na cama, estendida pra ela e então ela entendeu que ele queria apertar sua mão, mas quando aproximou sua mão mais uma vez o enfermeiro:
- não deixe que ele pegue em você ele não esta consciente e pode te machucar.
Imediatamente ela se afastou e se despediu mas, Leandro insistiu olhando para sua própria mão amarrada na cama, e lhe chamou pra perto, Nic não podia acreditar no que estava acontecendo, olhou para os dois lados para ver se alguém alem dela havia visto mas não, apenas ela, então ela aproximou sua mão e ele apertou de leve como quem sabia que não podia usar a força e soltou alguns segundos depois.
Nic se afastou e lhe disse mais uma vez:
- eu te amo tio!
E então saiu pela porta que havia entrado, e voltou para sua casa com seu primo, ela havia se enchido de esperança pelo o que tinha acontecido, dias se passaram e seu primo continuou indo até sua casa e eles conversavam por horas e só se aproximavam cada vez mais, depois de alguns dias o telefone toca e mais uma vez ela foi acordada com pancadas fortes, seu tio havia perdido a consciência e havia sofrido morte cerebral, estava vivo apenas pelos aparelhos.
Novamente foi obrigada a engolir toda a sua dor e dessa vez era preciso se reunir com o resto da família, ela sabia que o resto dos familiares ainda não a aceitavam, então se desesperou mas se encheu de forças levantou a cabeça e foi ao encontro da família que estava despedaçada, ela era a mais forte dali e tinha acabado de perceber.
Todos a receberam muito bem, ela conversou com alguns aqui e ali e depois ficou na sua, calada porem, forte como sempre, mas só o que se ouvia no lugar eram vozes ecoando e repetindo sempre:
- Não consigo entender.
- Por que isso esta acontecendo?
Ela olhou em volta, se levantou e fitou a todos e então falou quase que inconscientemente o que sentiu vontade de dizer:
- se você pede pra ter forças, acham que vão receber a força necessária ou a oportunidade para ser forte?
Naquele momento ela se lembrou que o casamento de seu tio estava em crise e ele havia brigado com todos seus filhos e então completou:
- E se você pede por sua família reunida, e te apoiando todo o tempo? Acham que vão ter sua família reunida ou apenas vão ter a oportunidade pra que isso aconteça?
E a resposta foi unânime, optaram pela oportunidade, e então ela continuou:
- A oportunidade é essa, e eu amo todos vocês, e se querem saber, ele vai acordar a qualquer momento.
Todos ali sorriram e inconscientemente ela também sorriu, por ver que sozinha, sem um amor de verão ela conseguiu o que sempre almejou, se tornar alguém melhor e provar pra seu tio que todos os seus conselhos não foram em vão, se ele estivesse ali sentiria muito orgulho como sua mãe e seu PAI.
Ela se despediu e caminhou em direção a saída do local depois de ouvir vários eu te amo, e então descobriu que a partir do momento que ela aceitou a si própria, criou forças e coragem para se impor, todos a respeitaram, a ouviram e sem dar importância se ela era ou não lésbica. Nic era apenas mais um membro da família desesperada para ter seu tio de volta.
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Viva a vida, pergunte menos sobre seus problemas e tente encontrar as respostas no dia a dia, aprenda que você já é forte apenas por estar aqui. Que nem todo obstáculo é o fim, ele pode ser superado, é mais fácil vencer uma guerra com amor do que com uma arma em mãos, é mais coerente observar do que tirar conclusões erronias e precipitadas, deixem que ouçam sua voz, não se afaste por medo, se você não mostrar quem é ninguém saberá e é daí que nasce o preconceito, não se esconda e nem tema o desconhecido ele pode ser doloroso mas as vezes pode ser divertido até. Viva cada segundo como se fosse o ultimo e sempre se despeça de uma pessoa com palavras gentis você não sabe quando será a ultima vez...
Por: Mayara Aguiar
Um comentário:
Li o seu conto e achei incrível, o jeito como vc usa as palavras prende qualquer leitor!
Espero ansiosa que tenham outros, pois um bom texto, é raro encontrar, navegando por aí!
Bjs... Parabéns!
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